Por Felipe Rodrigues
Dois mil quilômetros distante de sua cidade natal, em Salitre, no Ceará, Antônio Nelson Guedes, de 57 anos, sobrevive hoje da boa vontade das pessoas em garantir o prato de cada dia.
Desempregado e, em busca de melhores oportunidades, em 2014, aproveitou a ida do primo para a cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, para também tentar a sorte.
A proposta dessa tentativa era de ir para a cidade mineira para vender cestas-básicas, após cinco meses, o negócio desandou e seu primo desapareceu. Sozinho e sem dinheiro, ele iniciou sua trajetória nas ruas.
Antônio Guedes é o segundo personagem da série especial do TRIBUNA: ‘Não somos invisíveis’.
Vida no Ceará
Vindo de uma família grande com mais seis irmãos, desde criança, Antônio conviveu com as dificuldades. Na infância, ele lembra que por diversas vezes o único alimento que tinha em casa era pão e água.
— Já vivi a extrema pobreza. Quantas vezes ouvia minha mãe dizer para eu e meus irmãos ir dormir pra fome passar. Também sempre fui trabalhador, meu pai trabalhava em cafezais, desde criança eu e mais três irmãos que são os homens íamos com ele para ajudá-lo. Não tive uma infância como as crianças de hoje tem. Não sei ler, nem escrever. Pelo que me lembro, nunca fui à escola, disse.
Com o passar dos anos a situação de pobreza não era muito diferente de quando era criança. Porém, ele sempre se virava para garantir o seu dinheiro para sair com sua namorada.
— Um dia descobrimos que ela estava grávida. Na minha cidade, uma moça que não é mais pura perde a dignidade. Tanto o meu pai, quanto o dela nos obrigaram a casar. Na época eu não achei que seria o fim do mundo porque eu gostava dela e ela de mim, mas a dificuldade em criar um filho seria o nosso maior desafio, contou.
Quando sua primeira filha completou um ano, veio novamente a notícia de outra gravidez e após o nascimento do segundo filho, isso se repetiu mais quatro vezes.
— Assim como os meus pais eu também tive bastante filhos. Um muito próximo do outro. As dificuldades aumentaram, e eu vendo aquilo revia minha infância. Fome como eu passei eles nunca sentiram, mas também nunca tiveram uma vida tranquila com brinquedos e roupas novas — recordou Antônio, que completou dizendo que recebia ajuda dos vizinhos com doações de roupas usadas e brinquedos velhos.
Após 15 anos casados, veio o divórcio.
— Eu sempre bebi muito, ficava dias fora de casa. Ao invés de gastar o pouco dinheiro com eles, gastava na rua. Isso foi demais para todos, a separação foi a solução que minha esposa viu para mudar de vida, fazendo isso ela voltou para a casa dos pais onde tiveram melhores condições, frisou.
A separação e a distância dos filhos é algo que até os dias atuais, Antônio encara com dificuldades, sobretudo pela distância que hoje ele se encontra.
Dias atuais
Após sua curta estadia em Minas Gerais, Antônio conheceu um homem que lhe garantiu um emprego em uma fazenda em Barra Mansa, sem pensar duas vezes, ele aceitou a proposta e veio para a região.
— Chegando aqui, me desiludi. A proposta era para eu ser caseiro, mas me mandavam fazer de tudo. Nunca fugi do trabalho, mas sabia que aquilo era demais e eu não estava sendo pago de acordo com o que era combinado, pois era descontado a estadia e alimentação — contou.
Após um período, ele foi trabalhar em uma fazenda vizinha, mas também não dando certo e não tendo para onde ir a rua se tornava sua moradia.
— Sempre fui muito guerreiro então nunca pensei que um dia eu iria me tornar um morador de rua, porém não tendo para onde ir, foi embaixo dos viadutos que encontrei abrigo — refletiu.
Hoje o que ajuda a se manter são os ‘bicos’ que ele faz.
— Hoje sobrevivo dos ‘bicos’ quando aparecem, disse, afirmando que as áreas que atua é de ajudante de pedreiro, limpeza de lote e retirada de entulhos.
Quando questionado se tem vontade de voltar para sua cidade e rever sua família ele, com os olhos cheio de lágrimas, afirmou: “Desde quando sai de minha cidade não tenho mais contato com ninguém. Sinto muita falta de todo mundo, queria saber se eles estão bem, se já tenho netos, como meus pais estão. É muito triste viver na incerteza se um dia vou ter essa oportunidade”, finalizou Antônio.