Por Tribuna
A falta de empatia vem atingindo em cheio às famílias que têm pacientes com o Covid-19. Além do novo coronavírus, elas sofrem de outra doença: o preconceito.
Durante essa semana, a equipe de reportagem do TRIBUNA manteve contato com familiares de infectados. Todos preferiram o anonimato por medo de represálias.
Mas, a história mais recente e impactante foi dada pela filha da idoso de 67 anos, que morreu após ficar internada no Hospital São João Batista. Ela foi o segundo caso de morte na cidade.
O irmão da idosa também morreu dois dias antes. Em entrevista à jornalista Maria Luisa de Melo, ela conta que como sofre preconceito:
“Como se já não bastasse isso tudo (a morte da mãe e do tio), agora temos que lidar com a dor do preconceito. Até uma conhecida nossa, que sabe de todo o sofrimento que estamos enfrentando, passou do outro lado da nossa calçada, com medo de se infectar. Já escutamos vizinhos falando que a nossa casa era cheia de ‘infectados do coronavírus’.
Mas não é assim. Depois que a minha mãe foi internada, cumprimos 15 dias de isolamento estipulados pelos médicos. Não saímos na rua, estamos todos bem. Então, essas coisas nos magoam muito.
Agora que acabou o período de isolamento que o médico nos estipulou, eu confesso que tenho medo de sair na rua. É como se a gente contraísse uma doença que nunca será curada. A sensação que tenho é de que a gente vai passar na rua e as pessoas vão olhar de forma estranha.
Pensando nisso, já fiz contato com a escola dos meus filhos (de dois e cinco anos) e expliquei tudo. Não quero que eles passem por nenhum preconceito quando voltarem à escola. Mas sei que é difícil de algumas pessoas entenderem, por ser algo muito novo.
Nas reportagens veiculadas sobre as mortes da minha mãe e do meu tio as pessoas perguntavam qual nosso bairro, rua e nossos nomes. Eu tenho muito medo de sofrer algum tipo de retaliação quando puser os pés na rua.
Por enquanto estou trabalhando de casa. Há pessoas infectadas pelo coronavírus, que vão cumprir os 15 dias de isolamento e estarão curadas. Mas, infelizmente, há muitas outras doentes por falta de compaixão e amor ao próximo. Para essas não existe cura.
Tenho medo dessas pessoas sem compaixão, mas agradeço muito a Deus a oportunidade de estar viva. Agradeço também pelas mensagens carinhosas que recebemos”.
Em Barra Mansa, a servidora de 28 anos — primeiro caso do Estado do Rio — sofreu preconceito mesmo depois de curada. “Pediram até que eu morresse na viagem (ela contraiu o vírus numa viagem à Itália)”, relatou ela. Suas fotos foram expostas nas redes sociais, além de sofrer de fake news – dizendo que estava numa festa durante o isolamento com seus filhos. Ela é casada e, inclusive, não tem filhos.
Já uma mulher, de 43 anos, foi hostilizada num prédio no bairro do Jardim Amália, em Volta Redonda. Ela estava lá, no apartamento vazio de sua mãe, para cumprir isolamento domiciliar, atendendo as orientações dos médicos. Em áudio gravado no WhatsApp, uma vizinha disse que a presença da mulher “era caso de polícia”. Outros hostilizaram pela janela.
— Além da espera do resultado, ainda sofre de preconceito. Falta de amor — disse a irmã da mulher em quarentena. Quem procurou a polícia, inclusive, foi a própria família da mulher em isolamento.
Para o psicólogo Augusto André de Oliveira, o preconceito vem da falta de informação sobre a doença, de empatia e do medo do futuro.
— Isso aconteceu no início da descoberta da Aids. Era considerada como “Pestes dos Gays”. A tuberculose também. As vítimas do preconceito precisam ter em mente que os pacientes não são culpados e que o maior doente é o preconceituoso — disse o profissional.
A prefeitura de Volta Redonda tem um serviço, que conta com uma equipe composta por 24 psicólogos, está à disposição da população de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h, através dos números: 3339-9154, 3339-9674 e 3339-9158. Já foram feitos mais de 100 atendimentos que estão em isolamento domiciliar ou quarentena.
Renata Vasquez, coordenadora do Setor de Saúde Mental de Volta Redonda, o serviço conta com sigilo e privacidade, oferecendo escuta qualificada, acolhimento, psicoeducação e as orientações necessárias para cada caso abordado.
“A sensação da quarentena vai aumentando com o tempo de isolamento social. Nos primeiros dias as pessoas se organizam. Mas a expectativa constante de receber informações sobre os dados da doença afeta a todos. Direcionamos nossa interação social apenas para os dispositivos online, o que aumenta a ansiedade”, disse a coordenadora.