Por Tribuna
Há um ano, Francisco Fernandez de 42 anos, morador de Volta Redonda, tentou ajudar uma amiga que necessitava de doação de sangue após acidente automobilístico. Foi impedido. Ele é homossexual.
“Tive um baque. Não sabia dessa proibição. Meu sangue é raro e compatível com o da minha amiga. Não pude ajudar. Fiquei extremamente revoltado”, disse ele.
— Mantenho uma relação estável há mais de dez anos. É um absurdo, em 2020, ter um ato discriminatório por órgão oficial — contou.
A amiga dele sobreviveu ao acidente após três meses de internação. Se isso ocorresse hoje, porém, Francisco poderia ajudar a sua amiga.
Em meio à pandemia, quando todos os hemonucleos estão necessitando de sangue, agora, o Supremo Tribunal de Federal decidiu por maioria invalidar a resolução da Anvisa que proibia grupo LGBTI doasse sangue.
A decisão, embora bem tardia, foi comemorada pelo movimento “Volta Redonda Sem Homofobia”.
– Podemos comemorar mais uma vitória para as minorias, colocando um ponto final no tratamento discriminatório que impedia a população LGBTI a doarem sangue – disse Natã Amorim, presidente da “Volta Redonda Sem Homofobia”, que prosseguiu:
— Sempre tivemos como justificativa que o grupo se enquadrava em “comportamento de risco”, mas arriscado é a conduta de cada um, não a orientação sexual — disse ele.
Natã lembrou que todo sangue é testado por determinação legal, não há risco para a qualidade e segurança do sistema de doação de sangue. “Podemos sim comemorar a decisão que respeita à dignidade humana e tem potencial de salvar vidas”
Cláudio Novaes, médico infectologista, era crítico ferrenho da determinação da Anvisa: “Era uma resolução retrógrada, discriminação institucionalizada e um reconhecimento da ineficiência das análise do sangue, o que não é verdade”.
Para ele, todos que têm uma vida ativa sexual, independente do gênero, está no grupo do risco: “Por isso que são feitos testes. Era uma resolução que nos remete a década de 80”, disse o especialista, referindo-se o surgimento da Aids, que no início era chamada “praga dos gays”.
A RESOLUÇÃO
A Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), por meio da Resolução RDC nº 34/14, e pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 158/16) de fazer tal doação, já que ambas instituições determinam que homens que mantiverem relações sexuais com outros homens nos últimos 12 meses não podem fazer a doação.
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou essa restrição, com a maioria dos votos (7 a 4) nesta sexta-feira considerando-a inconstitucional e discriminatória.
O tema foi discutido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543, ajuizada em junho de 2016 pelo PSB, e começou a ser julgado em outubro de 2017, mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Com a pandemia de coronavírus e os hemocentros de todo país fazendo campanhas para a doação de sangue neste momento de crise, o assunto voltou à agenda do STF. Em 30 de abril, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu que o STF rejeitasse a ação, ou seja, que sequer analisasse o tema.
A Defensoria Pública da União (DPU), em contrapartida, enviou um posicionamento pedindo agilidade no julgamento diante da pandemia da covid-19, que reduziu o ritmo de doações e resultou na queda dos estoques de sangue no país.