Thelma de Paula, Teresa Lucas, Cristina Mascarenhas, Mauro Campos, Rogério César Freitas, Cinara Pagani e Vera Oliveira. A história deles é diferente, mas o sentimento de tristeza, de saudade e de impotência é o mesmo. E de superação também. Eles experimentaram o mais alto estágio da dor: a perda de um filho. Cada uma, de sua maneira, vêm enfrentado de frente a dor da perda. Mas, são unanimes ao afirmarem que “enfrentar sozinha é impossível”. Precisam de ajuda. Elas buscam aliviar a triste através de grupos de mútuo ajuda, fé e espiritualidade.
“A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional. O momento de luto é fundamental para a volta da rotina”, explica a psicóloga Renata Porto, de Volta Redonda, especializada no assunto. Nesta reportagem especial, produzida pelo repórter Felipe Rodrigues, o portal de notícias TribunaSF conta um pouco da história dessas famílias de Volta Redonda e Barra Mansa e de que maneira estão conseguindo aliviar a dor.
Mães que acolhem
Quatro mães e um objetivo: uma ajudando a outra. Unidas pela mesma dor, Cristina Mascarenhas, Andréia Barreiros, Ana Lúcia Magalhães e Edna Fernandes (foto abaixo), formaram o grupo de mútua ajuda ‘Mães que Acolhem’, em Volta Redonda. A ideia surgiu após a morte prematura da estudante de medicina Mariana Mascarenhas Pereira, de 23 anos, filha mais velha de Cristina. A jovem foi vítima de um acidente automobilístico, em 2013, quando morreram 11 pessoas.
“Quando a Mariana faleceu, ela estava na cidade de Leopoldina (MG). Ao chegar lá, soube que havia 11 vítimas. Todas as mães estavam na Santa Casa da cidade. Permanecemos juntas no hospital e estar naquele momento com outras mães que passavam pelo mesmo sofrimento, fez com que eu me fortalecesse”, contou Cristina.
Voltando, ela decidiu fundar o grupo que começou com uma reunião entre as quatro amigas. No primeiro encontro, perceberam que ai seria fundamental para enfrentar a perda. Quatro anos e seis meses depois, passaram pelo grupo de Volta Redonda mais de 50 mães. “É muito gratificante ver uma mãe contando sua história e descobrindo que o que ela sente não é só com ela. Sentimos igual, que chorar é normal, achar que tudo vai acabar é normal, mas que também há a possibilidade de seguir adiante”, enfatizou um das fundadoras do grupo.
Não há requisito para fazer parte do grupo: são pessoas de todas as idades, crenças e classe social. O que importa é o bem estar do próximo. “Nunca terminamos uma reunião sem estar sorrindo. Eu me sinto abençoada realizando esse trabalho”, concluiu.
As reuniões acontecem todas primeiras quartas-feiras do mês.
“A mãe que vive a perda de um filho experimenta o mais alto estágio da dor”
(Thelma de Paula, mãe de Ian).
Foi através dessa frase que a empresária Thelma de Paula (foto abaixo), de Volta Redonda, começou a encarar a morte de seu filho Ian de Paula Araújo (19), de outra forma. O jovem sofria de miocardite e faleceu no dia 20 de outubro de 2007.
“Tive diversos tipos de apoio, hoje consigo encarar meus problemas com mais facilidade, pois cheguei ao ápice da dor e nenhuma outra situação vai ultrapassar esse estágio”, confessou a mãe. A empresária contou que durante esses dez anos ela vem participando de diversos tipos de grupos de apoio, incluindo o ‘Mães que acolhem’.
“Participar das reuniões me oportunizou conhecer outras história e compartilhar a minha. Eu costumo dizer que só uma mãe que perde um filho sabe a dor da outra”, garantiu.
Thelma contou que no início a negação e a culpa são sentimentos que qualquer pai e mãe sentem. “Eu não conseguia falar que meu filho havia falecido isso era quase a minha morte”, revelou, acrescentando que quem passa por essa uma experiência como essa sente o desafio de um mundo novo. Outro meio no qual Thelma busca constantemente o consolo é na religião.
“É muito importante se apegar em alguma religião, porque se a gente não segurar na mão de Deus não dá para aguentar, é uma busca primordial”, indicou a mãe.
Para Thelma, a luta para superar é diária, mas afirma com toda convicção e orgulho que seu filho foi muito feliz em seu curto tempo de vida. “Hoje eu trabalho a minha mente para entender que eu fui a melhor mãe que eu pude, minha consciência segue tranquila”, finalizou.
“Não há ponto final para o amor”, diz Mauro Campos, pai de Mariana
Cada um encara a morte de uma forma. Alguns acreditam que é o fim, outros dizem que é uma forma de evoluirmos para depois voltar. O empresário Mauro Campos é um dos que acreditam que o fim nada mais é que um recomeço. Ele é pai de Mariana Mascarenhas Pereira, vítima de um acidente de carro.
“Há cerca de sete anos tenho o espiritismo como religião, isso me ajuda a lidar com a desencarnação de outra forma, pois trabalhamos a fé raciocinada e consoladora”, contou. O pai garantiu que graças à espiritualidade ele encontrou um pré-conforto que o fez aceitar melhor a tragédia.
A razão para a aceitação foi o fato do corpo material de sua filha não ter sido afetado com a gravidade do acidente, como comenta Mauro de acordo com a sua fé.
“Minha maior preocupação era se a ligação do espírito dela com o corpo material tivesse sido afetado. Em uma sessão da minha religião, fui informado que o espirito dela foi tirado do corpo segundos antes do acidente por merecimento. Isso me trouxe alivio”, disse ele, emocionado.
Mauro Campos conta constantemente que recebe psicografias da filha. “Ela está sempre comigo, todas as vezes que eu a chamo a sinto presente, ela é minha companheira. Eu nunca convivi tanto com a ‘Nani’ (como era tratada pelos familiares) quanto hoje”, garantiu ele, pela fé.
Apesar de ser muito bem espiritualizado, o pai de Mariana contou que após o acidente ele se sente desconfortável quando cruza com uma carreta na estrada. “Eu ainda tenho um trauma de carreta, quando eu vejo uma me causa um desconforto. Essa talvez é uma forma de expressar o meu lado material”, finalizou.
“Nos meus sonhos ela sempre me visita”
(Teresa Lucas, mãe de Bárbara Lis)
A advogada Teresa Lucas vive a dor da perda de sua única filha, Bárbara Lis Curty, de 23 anos (foto acima, junto com os pais), vítima de uma embolia pulmonar, no dia 17 de fevereiro de 2016. Para a mãe, a ausência da filha é algo que sempre vai acompanhá-la.
“Não há um dia que eu não chore lembrando dela. Nos dias que a saudade bate mais forte eu coloco uma foto dela no meu rosto para tentar senti-la”, disse.
A mãe contou que durante muito tempo lutou para conseguir engravidar. “Foram cinco anos de tentativa, só consegui após realizar uma cirurgia”, afirmou a advogada. Para ela, a gravidez sempre foi motivo de comemoração, e apesar de querer tanto uma filha resolveu esperar o nascimento para descobrir o sexo.
“Quando eu estava grávida, sempre falava no serviço: será uma menina linda, com a energia do sol, o brilho das estrelas e a claridade da lua. Quando a Bárbara nasceu e foi se desenvolvendo minhas companheiras lembraram disso e diziam que realmente tive uma filha como eu queria”, revelou.
Em relação à filha a mãe é puro orgulho. “Minha filha foi uma mulher incrível, ela tratava todos de forma igual, era estudiosa, inteligente e muito dedicada”, afirmou a mãe.
Bárbara Lis, começou sua carreira ainda muito jovem. Desde os primeiros anos de vida ela participou de diversas campanhas como modelo, participou de vários concursos de beleza, fez diversas peças de teatro e graduou-se em direito pelo Centro Universitário de Barra Mansa (UBM), em 2015. “A Bárbara tinha diversos sonhos, muitos ele teve tempo de realizar, isso me alegra”, garantiu Teresa.
“Quando minha filha partiu eu fiquei sem sonho, esperança, felicidade, objetivo e fé. A fé estou tentando recuperar” (Tereza Lucas)
Ela buscou ajuda para aprender a lidar com a morte: “Sempre fui uma pessoa muito feliz trabalhando e praticando exercícios físicos, então eu resolvi voltar atuar na minha área de graduação e não parei com a academia”, informou.
Teresa ainda contou que há seis meses faz acompanhamento psicológico. “Eu resisti por muito tempo ir a um psicólogo, como eu me arrependi de não ter procurado desde o início. Essa ajuda profissional tem sido um suporte indispensável para aprender a lidar com a perda da minha filha”, finalizou.
A última homenagem
Não há quem vá ao Cemitério Municipal de Barra Mansa, e não repara a capela da Bárbara Lis e mãe diz que foi a última homenagem à filha, que estava noiva e iria casar neste ano. O pai e o noivo tatuaram no braço a Flor de Lis, como ela era chamada pelos familiares e amigos.
“A ausência não permite esquecer”, afirmam Rogério e Cinara, pais da Belle
Os pais da jovem Isabelle Pagani Freitas, de 20 anos, Rogério César Freitas e Cinara Pagani (foto abaixo), são exemplos de como é importante o amor e a cumplicidade de um casal. No dia 1º de outubro de 2016, eles perderam Isabelle, vítima de um acidente de carro na Via Dutra sentido Barra Mansa, quando voltava de uma exposição em Resende. Isabelle era conhecida como Belle.
Para os pais, a dor da perda é algo que sempre vai acompanhá-los. A força que Cinara sente para seguir adiante vem da necessidade de continuar seu papel de mãe para o seu filho Caio. “Ele minha força para lutar, por ele e pelo meu esposo tento ser forte, pois eles precisam de mim como eu preciso deles”, contou.
O pai disse que em relação à criação da filha não sente arrependimento. “Eu e a Cinara sempre fizemos tudo que estava ao nosso alcance para a ‘Belle’, e como eu me orgulho disso. Nós fomos presenteados em termos tido uma filha que sempre nos trouxe alegria para nós”, afirmou Rogério.
Desde o falecimento da filha, o casal vem recendo apoio de diversos amigos e familiares. Mas, de acordo com Cinara, a base para manter os dois de pé é a união. “Nós temos uma conexão muito forte, eu sou muito grata por ter ele ao meu lado, eu sei o que ele sente porque eu sinto o mesmo”, disse.
Rogério completou dizendo que o que ajuda o casal desde então é a família, os amigos e a religião. “Nós sempre estamos buscando conforto e explicação para a vida, e com a religião estamos encontrando”, contou o pai.
Amigos da Belle
O projeto “Amigos da Belle”, desde dezembro de 2016, tem sido realizado. Ele era um dos sonhos da jovem. Segundo os pais, a filha sempre teve um desejo de promover um dia de festa para as crianças em algum bairro carente do município. Hoje cerca de 30 pessoas participam doando e arrecadando brinquedos, refrigerante, material para cachorro quente e pipoca, para distribuição no bairro escolhido. Segundo os pais, o grupo realiza a reunião e conversa com a associação de moradores para autorizar o evento.
“Eu prefiro viver focada no amor e não na dor” (Vera Oliveira, mãe de Henrique)
“Ele foi para um lugar cheio de sonhos e olhou as pessoas como se estivesse olhando para o espelho”. A mãe do jovem empresário Henrique Ramos de Oliveira (24), a dentista Vera Oliveira, contou como foi dolorosa a partida do filho, sobretudo pela forma violenta que tudo aconteceu. Henrique foi morar na cidade de São Miguel dos Milagres, Alagoas, em agosto de 2016. O objetivo do rapaz era investir no ramo de gastronomia. Oito meses depois ele foi sequestrado e assassinado. “No dia em que perdi meu filho, aquela Vera se foi com ele, é impossível conseguir ser a mesma pessoa”, disse.
A mãe contou que seu filho sempre foi uma pessoa que pensava no próximo, que evitava brigas e tinha uma alma pacificadora. “A partir daquele dia eu costumo dizer que todos nós familiares e amigos morremos um pouco, e desde então eu busco me reinventar voltada ao amor que sentimos por ele”, afirmou.
A mãe garantiu ser muito grata ao Estado de Alagoas que deu a ela todo o suporte necessário. “Esse caso foi entregue na mão da justiça, de certa forma eu me sinto agradecida ao trabalho dos investigadores, há um ano o assassino está preso aguardando julgamento”, comemorou.
Vera confessou que durante esse período, ela recebeu diversos tipos de ajuda, e informou que o seu foco é o amor e a serenidade, como o filho gostaria de vê-la. A dentista também disse que o trabalho dela também à ajuda distrair. “É importante a gente não se fechar, o luto tem várias fases temos que achar o meio termo disso e sempre ficar aberto a todo carinho que as pessoas têm a nos dar. O meu sustento é o trabalho e a fé”, expressou.
NOSSA OPINIÃO
É lei da vida: o certo os pais partirem antes dos filhos. Quando ocorre o contrário, como esses pais fazem para continuar suas vidas sem eles? O fato é que não existe uma explicação lógica para a vida e a morte, nascemos e morremos sem termos tempo para programar e, nessa constante idas e vindas, muitos vão cedo e o que fica e a sensação de dor e impotência dos pais, por não poderem fazer mais nada por aquelas vidas.
Muitos relacionam a morte ao envelhecimento. Quando ela leva algum jovem, costumamos ouvir o trecho da música da banda Legião Urbana que melhor traduz esse momento: “Os bons morrem antes”.
E aqueles que ficam são heróis, que vencem uma batalha a cada dia. (FR)