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Especial: Doação de Órgãos, ação que vem do coração



Para uns é o fim. Para outros, um recomeço. É após o ponto final de uma vida, que uma pessoa à espera da doação de um órgão tem a chance de prolongar sua existência. Só para se ter uma ideia, em 2018, mais de 1,2 mil pessoas morreram na fila e na região há 2.078 pessoas esperando um órgão.O fato  é que ainda há diversos fatores que impedem que a doação de órgão no Brasil seja algo mais comum ou um assunto mais discutido entre as pessoas. Outro fator que agrava essa estatística são questões de cunho pessoal, religioso e, até mesmo, por preconceito.

Lidar com a perda de um familiar não é algo fácil, mas poder dar a oportunidade de uma pessoa ter uma vida prolongada e a esperança de um futuro melhor, não podem ser discutidos.Neste mês de setembro é celebrado o Dia Nacional da Doação de Órgãos. O portal de notícia TribunaSF vai apresentar nesta reportagem especial, produzida pelo repórter Felipe Rodrigues, casos de pessoas que procuram fazer a diferença sendo doador e autorizando a doação de seus parentes e de pessoas que tem a esperança de um dia serem contempladas e garantir uma melhor qualidade de vida.

Barra Mansa tem o primeiro sistema de capacitação de órgãos na região

Em abril de 2015, o Programa Estadual de Transplantes (PET), inaugurou a quarta Organização de Procura de Órgãos (OPO) do estado, na Santa Casa de Barra Mansa. De acordo com o coordenador responsável pela unidade, o cirurgião Gilvando Dias de Souza, em três anos de existência, a unidade trabalha com o objetivo de achar pessoas para doarem órgãos e agilizar esse processo. “Há três anos trabalhando frente à OPO, nossa missão é visitar hospitais da região em busca de doadores em potencial, geralmente são pessoas que sofreram algum tipo de dano cerebral”, contou

Segundo o médico, um agravante é a falta de divulgação nas mídias e campanhas de conscientização. “A negativa familiar ainda é muito grande. A presença da mídia contando histórias de pessoas que para sobreviverem precisam dessa liberação seria fundamental, além de campanhas nas ruas falando sobre esse assunto”, sugeriu o cirurgião.

De acordo com o médico, existe uma parceria entre os hospitais e a unidade e, geralmente, eles são notificados quando há algum caso de pessoa que teve a morte encefálica. “Temos uma equipe que fez curso de abordagem, procuramos criar um vínculo com os familiares, através dessas técnicas entramos no assunto, tem sido positivo, mas entendemos que o momento de luto é difícil para todos”, afirmou.

Doadores, os verdadeiros heróis

O médico explicou que mesmo quando o paciente morto é um doador anunciado, a família tem que autorizar a doação. Ele classifica essas pessoas como heróis. “Doar vida é um ato de heroísmo, passar pela perda e, ainda assim, pensar no outro é a mais sincera forma de demonstrar solidariedade e compaixão ao próximo”, contou.

Barra Mansa

377 casos de mortes encefálicas

96 pessoas foram doadoras.

Foram doados:

114 rins

55 fígados

90 córneas

90 escleras

72 ossos

3 corações

8 peças de pele.

Enquanto há vida existe esperança

Rosângela Barbosa, 40 anos, há oito anos está na fila de espera para a doação de um rim e assim ter uma melhor qualidade de vida. “Em 2010 foi um dos piores anos da minha vida, tudo na minha rotina foi alterado”, disse a mulher. Segundo ela, desde que foi diagnosticada, vem fazendo diálise em uma clínica de doenças renais, em Botafogo, bairro da Zona Sul carioca.

“Meu tratamento é realizado três vezes na semana e as sessões duram cerca de quatro horas”, contou.

Ela não perde a esperança. Rosângela disse que continuar viva e ter o apoio familiar é essencial para quem está passando por essa situação, e para ela a realização desse transplante será de suma importância para a sua vida.

“Tudo em minha vida vai melhorar, começando pela melhor qualidade de vida. Poder comer e beber líquidos sem restrições, voltar minha vida normal, voltar a trabalhar”, disparou.

Rosângela acredita que a doação de órgãos é a melhor forma de lidar com a morte de um ente-querido, pois essa atitude pode ajudar outras pessoas que dependem disso. “Quem doa órgãos doa vida, essa é a oportunidade de manter uma pessoa viva, dar esperança e salvar uma vida”.

A doação pode trazer um certo conforto

“A morte do meu pai foi muito traumática para toda minha família, pois não esperávamos que ele fosse falecer tão novo e de uma forma inesperada”, disse Teko Albertassi  (foto acima), filho do radialista José Humberto Albertassi (foto abaixo) – conhecido como Deca, falecido no último dia 4 de agosto, vítima de um AVC.

O filho do radialista garantiu que seu pai sempre foi uma pessoa muito querida e sempre buscou uma forma de ajudar o próximo. “Quando eu e minha família decidimos doar os órgãos do meu pai tivemos a certeza que essa seria a vontade dele se tivesse um tempo para decidir. Essa foi a sua última forma de fazer o bem sem olhar a quem”, expressou Teko que é jornalista e advogado.

Evangélico,  Teko ressaltou que existem duas vertentes em relação à doação. “No meio evangélico existem aqueles que dizem que a doação de órgãos é algo que ajuda a salvar outras pessoas e aqueles que são contra, pois falam que é uma forma de modificar o seu corpo e Deus não gostaria que isso fosse feito”, contou.

Apesar do jovem respeitar as opiniões divergentes das suas, ele afirma que em seu ambiente familiar e religioso sempre aprendeu que Deus se alegra quando ajudamos alguém.

“Não tem porque acreditar que ser enterrado com todos os órgãos agradará mais a Deus do que dar esperança de uma vida melhor para uma pessoa. Segundo a bíblia, do pó viemos e para o pó retornaremos”, declarou.

Apesar de nunca ter expressado em vida que seria um doador de órgãos, Deca tinha o entendimento de que Deus se agrada quando ajudamos alguém de alguma forma e, partindo desse princípio, a família se reuniu e decidiram ser favoráveis a doação.

“É muito importante, em um momento de nossa vida, expressarmos o desejo de ser doador. Essa atitude tem o poder de dar esperança às pessoas, fora a satisfação de salvar a vida de alguém. Isso é uma gratificação imensa”, garantiu o jovem.

Teko afirmou que lidar com a morte de um familiar é algo muito difícil e doloroso, com ele não foi diferente, mas garante que a sensação de que seu pai pôde ajudar alguém mesmo em seu momento final foi algo que trouxe conforto. “Eu não sei quem recebeu os órgãos do meu pai, mas a satisfação e gratidão dessa pessoa é algo que nos permite seguir mais confortáveis”, finalizou.

Solidariedade que inspira

 

A estudante de psicologia Josiane Pereira, de Barra Mansa é doadora declarada de órgãos e para ela esse é um grande exemplo de amor e solidariedade ao próximo. “No Brasil, há diversos casos de pessoas que morrem esperando um doador compatível, é muito importante à conscientização de que esse ato pode salvar outras vidas”, garantiu.

A estudante contou que a iniciativa partiu quando ainda era adolescente, aos 15 anos. “Minha família e amigos mais próximos já foram notificados sobre esse meu desejo, eu já fiz um cadastro no site de doadores e no próprio site você tem a opção de imprimir uma carteirinha”, contou.

A jovem ainda afirmou que não teria problemas em doar em vida um fígado ou rim para um amigo ou um parente. “Eu já sou doadora de medula óssea, se for para salvar as pessoas que eu amo eu faço o que tiver ao meu alcance”, afirmou Joseane, acrescentando que na região deveriam haver mais investimentos e projetos de conscientização.

“Eu acredito que a falta de informação é um agravante para essa estatística tão alta de pessoas em filas de doação, uma maior divulgação e campanhas seria uma boa alternativa para que as pessoas pensem melhor e entendam esse assunto”, sugeriu.

Joseane acredita que, além da falta de informação, também há muito preconceito e questões religiosas. “Eu acredito que há algumas coisas que as pessoas não entendem e tomam como algo errado. A meu ver, a religião serve para um bem maior que é de unir as pessoas e ajudar uns aos outros, então porque não ajudar com uma doação?”, questionou, afirmando que um dos ensinamentos bíblicos é amar o próximo como a ti mesmo.

Em relação à sua família a estudante sugere que eles enxerguem esse gesto como algo positivo. “Eu acredito que para a minha família isso será um motivo de conforto, saber que através da minha morte outras pessoas estão vivendo, então essa fatalidade terá um significado”, disse. Ela também sugeriu que as pessoas que têm essa vontade deixem claro para os seus familiares. “É muito importante comunicar, esse é um momento muito difícil na vida de qualquer pessoa, dificilmente os familiares vão parar para pensar nessa hipótese”, indicou.

Esse gráfico apresenta número de pessoas que solicitaram receber o órgão (azul) e o percentual de doações (amarelo) no Rio de Janeiro do ano de 2010 até fev/2018. 

*Fonte: Programa Estadual de Transplante (PET).


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