Cultura Sociedade - Especial

Fora do picadeiro, artistas contam como é viver no Circo



Risos, suspiros, nervosismo e adrenalina são apenas algumas sensações sentidas pelo público de um espetáculo circense. Até abrir as cortinas, porém, há muito trabalho pesado, a rotina é corrida, mas a satisfação do público é o que os motiva a manter essa tradição.

Instalado em Barra Mansa, que estreou nesta quinta-feira (1º), no Parque da Cidade, o Circo Globo há 150 anos leva alegria e diversão para as pessoas de todas as idades. Ter uma vida diferente ou viver em apenas uma cidade são coisas que nenhum dos artistas deseja.

Respeitável público, o TribunaSF tem a prazer de apresentar nesta reportagem especial, produzida pelo repórter Felipe Rodrigues, uma família como qualquer outra: a do Circo.

São donas de casa, estudantes, pais de família. O diferencial deles? Simplesmente se tornam trapezistas, equilibristas, mágicos, contorcionistas e, é claro, os famosos palhaços.

Circo como herança 

Em muitas companhias circenses o trabalho é passado de geração para geração e famílias inteiras se dedicam a divertir os outros. De acordo com o gerente do Circo Globo, Leopoldo de Almeida Signorelli, no caso deles não é diferente.

Desde que nasceu, há 58 anos, ele vem participando e trabalhando no circo que foi fundado por sua bisavó. “O circo tem uma importância gigantesca em nossas vidas. Ele nos foi deixado como tradição e também como meio de vida e sustento”, contou.

Para ele, o circo quando é estabelecido em algum município ele se torna um patrimônio cultural vivo, ainda que seja por um curto período, levando para as pessoas cultura, entretenimento e lazer.

“Nossa família viaja cerca de 40 cidades anualmente, esse é um trabalho como qualquer outro, é o que eu amo e sei fazer de melhor”, garantiu.

Sobre o cenário circense e artístico no país, Leopoldo contou que ainda falta um incentivo do governo para estimular a população a valorizar mais a arte.

“A realidade é triste, os artistas são mal reconhecidos, há muitas criticas e falta de apoio tanto da sociedade quanto do governo. Essa cultura milenar que vem desde os tempos de Jesus Cristo, é uma forma de diversão sadia e não está tento seu devido valor” (Leopoldo Signorelli)

Em meio a essa situação, surgiu um projeto de lei no Estado de Minas Gerais, conhecida como Lei do Circo, que beneficia o município com um auxilio de R$ 12 mil por ano, apenas para os municípios receberem o circo com luz, água, uma área e ajudar na divulgação em escolas públicas.

“Nós esperamos que os outros estados também possam fazer algo para que haja uma conscientização e valorização para o artista circense”, sugeriu.

Amor ao Circo 

O artista Yuri de Almeida Signorelli, 21 anos, se apresenta no circo com dois números: o Globo da Morte da morte e Homem Pássaro.

O jovem, que também nasceu e foi criado no circo, acredita que seu amor é devido a tradição familiar e ao apoio que sempre teve para seguir com a sua arte. Hoje ele leva o circo como uma extensão de seu próprio corpo e não consegue se imaginar tentando fazer outra coisa.

“A gente luta demais para conquistar nossas metas, trabalhamos 24 horas por dia sem parar, mas não trocaria essa rotina e essa profissão por nenhuma outra, já tentei, mas não consegui”, desabafou.

Para ele, o mais difícil é a falta de valorização da profissão e contou que de uns tempos para cá as coisas vêm piorando cada vez mais.

“Muitas pessoas não veem nos circenses os verdadeiros artistas que são. Não nos valorizam. Antigamente éramos atração que lotava e movimentava qualquer município, hoje não tem mais isso”, lamentou.

Em relação ao convívio dos companheiros de estrada e de vida, Yuri contou que quando uma pessoa passa a fazer parte do grupo ela se torna um membro da família. “Muita gente que vem para cá, por não ter opção de onde ir. Nós abraçamos e mostramos a ela que pode contar com gente. Ela acaba entrando para a família”, explicou.

O jovem contou que apesar de estar concentrado quando se apresenta não há nada mais gratificante que o semblante no rosto do público. “As pessoas sempre serão a minha maior motivação para continuar fazendo o que eu faço, vê a cara delas de surpreendidas, o sorriso, o aplauso é o que me importa’, informou.

Porém quando o assunto é valorização da arte ele não pensa duas vezes. “Temos que ser mais enxergados. Lutamos pela nossa valorização como artistas. O nosso objetivo é transformar a tristeza dos outros em alegria”, disse.

Circo, uma nova família

Uma mistura de encanto e frio na barriga. É assim que os trapezistas conseguem deixar todo o público durante suas apresentações nos picadeiros. A jovem Patrini Sayuri tem 21 anos, mas em sua bagagem circense contabiliza o mesmo tempo de existência com o de pratica. Sayuri faz parte da quarta geração de circenses de sua família. Ela brinca dizendo que nasceu praticamente debaixo da lona.

“O circo representa tudo para mim, eu amo essa vida, essa correria, faz bem para a gente fazer o que amamos”, contou.

Para ela, apesar de viver a instabilidade de estar sempre viajando, vive uma vida normal com rotinas diárias e obrigações como ser mãe e esposa.

“Nós temos uma vida normal é como se fossemos pessoas que mora em várias cidades em prazos curtos. Eu acredito que não conseguiria me adaptar em um local apenas”, contou.

Por um curto período, ela disse ter saído do circo para experimentar novas experiências, no inicio ela acreditou que facilmente se adaptaria a uma nova rotina, dessa vez um pouco mais calma. Porém, todas as noites vinha o sentimento de que havia alguma coisa faltando em sua vida.

“Tentei sair do circo e num períodotrabalhei em um comércio. Mas, quando anoitecia, começava a visualizar que era naquela hora que eu estaria me aprontando, ansiosa para começar o espetáculo. Aquilo foi angustiante. Hoje não consigo me imaginar fora do picadeiro” (Patrini Sayuri)

Sobre a falta dos seus familiares, Sayuri conta que viveu até os 19 anos com os pais e suas irmãs e hoje trabalhando com seu esposo e mãe de uma menina de dois anos se viu obrigada a separar deles.

“Nós nunca nos separamos sempre vivemos e trabalhamos juntos. Quando viemos para esse circo, eu conheci meu atual marido, infelizmente meus pais tiveram que ir embora. Até hoje eu choro de saudade, estou louca para chegar o fim de ano para poder encontra-los, eles me fazem muita falta”, expressou.

Paixão à primeira vista 

O que leva uma pessoa com uma vida normal a trocar por uma rotina no circo com as mais constantes mudanças? O acrobata Yuri Martins, 16 anos, responde que ter a oportunidade de descobrir e viver todas as experiências que já viveu é a razão.

Há quatro anos o adolescente trabalha em circos, e apesar da pouca idade, ele já tem experiência em três picadeiros diferentes. Segundo ele, tudo começou quando um circo passou pela sua cidade, em Ubá, Minas Gerais, ele contou que nesse período o circo se instalou em frente a sua casa, foi aí que o interesse começou a despertar.

“Eles estavam precisando de pessoas para ajudar na organização e eu me ofereci, quando eu vi já estava encantado com aquilo tudo, fui ficando e muito antes que eu imaginava já estava me apresentando”, contou.

Após um período de um mês o circo partiu da cidade de Yuri com autorização de seus pais partiu com ele.

Para o acrobata, o que mais o inspira a continuar espalhando sua arte em diversas cidades é a satisfação do público.

“Eu nunca havia parado para pensar em o que eu gostaria de ser um dia, hoje eu sinto que encontrei o que eu quero. Não tem nada melhor do que ver o sorriso do público, a cultura de cada cidade isso me motiva dia após dia a trabalhar”, relatou.

Há oito meses sem ver sua família, Yuri garante que a saudade é constante, porém afirma que já se acostumou.

“Eu já tentei deixar o circo, fui embora para a casa dos meus pais, naquele momento acreditei que não era vida para mim, mas consegui ficar em casa apenas dez dias, depois disso entrei em desespero. Percebi que meu lugar é no circo” (Yuri Martins)


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