Sociedade - Especial Sul Fluminense

Racismo, homofobia, religião: mais empatia, menos intolerância  



“Intolerância é uma atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar diferenças em crenças e opiniões. Num sentido político e social, intolerância é a ausência de disposição para aceitar pessoas com pontos de vista diferentes” Essa é a definição do dicionário sobre a intolerância. Porém, podemos simplificar dizendo que essa atitude negativa nada mais é do que a falta de respeito às diferenças.

Na reportagem especial dessa semana do TribunaSF, produzido pelo repórter Felipe Rodrigues, vamos apresentar pessoas que sentiram na pele quão grande é a falta de compreensão e de respeito simplesmente pelo fato de não ser um padrão estipulado pela sociedade, que insiste em pensar que existe um modelo correto e quem não faz parte dele é diferente do resto das pessoas e podem ser discriminados.

Intolerância racial

O racismo é um dilema no Brasil desde séculos passados. Depois de muita luta e resistência hoje existe leis que punem aqueles que praticam preconceito racial. Apesar de serem amparados por essa lei, o preconceito ainda é atual na vida dos negros.

A técnica em contabilidade, ativista e educadora social Célia Morais (foto abaixo) é negra e tem muito orgulho de suas origens, mas isso não significa que ela está imune ao racismo. Segundo ela, quando trabalhava na recepção de um hospital, em Volta Redonda, passou por uma experiência na qual nunca se esqueceu.

“Eu era recepcionista e uma  acompanhante de um paciente estava muito nervosa dada a demora no atendimento. Ela começou  a falar muito alto e com muita agressividade,  incitando uma revolta”, disse.

Na ocasião ela se posicionou de modo a acalmar os pacientes e, em seguida, a situação voltou ao normal. Segundo Célia, após o atendimento da senhora que iniciou o escândalo, a mesma chegou a recepcionista disse que estava muito nervosa e que ela conseguiu acalmar os pacientes. Em seguida ela afirmou que pessoas como Celia era raro serem educadas e que com certeza ela era evangélica.

“Naquele momento eu respirei fundo e respondi:  Sou negra,  umbandista e muito educada sim, obrigada” (Célia).

Célia informou que os negros sofrem racismo diariamente sendo ele velado ou até mesmo agressivo. “Sempre percebo os olhares de discriminação. Nos prédios onde tem elevador, a expressão de alguns ascensoristas é completamente diferente de quando entra um branco  e quando é  negro”, garantiu.

Para a ativista, pessoas precisam ter consciência que o preconceito racial existe e que as pessoas que passam por isso têm que se manifestar. “Não  adianta chorar  pelos cantos, atitudes e ações  positivas é  que vai nos direcionar.  Tem que cobrar nas escolas o uso da lei que mostra pra todos os estudantes a importância  do povo negro e do povo originário  na construção  da identidade do povo brasileiro”, sugeriu.  Célia completou dizendo que a melhor arma contra o preconceito está na educação de qualidade para todos.

“Dando às pessoas as mesmas oportunidades, o respeito se concretizará. Não  precisamos que nos amem, mas é  imprescindível  que nos respeitem como seres humanos”, afirmou.

Intolerância religiosa:

uma realidade pouco falada

A advogada Márcia Meireles desde criança está inserida na religião de matriz africana e a cerca de três anos é candomblecista. Para ela, as situações de discriminação são rotineiras e cotidianas que vão de pequenas manifestações até as mais graves como agressões físicas, destruição de patrimônio, incêndios em terreiros.

“Pessoalmente eu passei por duas situações que me deixaram extremamente chateada e incomodada. Uma configurou crime e a outra foi no âmbito pessoal”, disse Márcia.

O primeiro caso aconteceu quando a advogada estava indo para um evento para falar sobre intolerância religiosa, na ocasião ela estava caracterizada com roupas litúrgicas quando uma senhora a abordou e começou a xingar dizer que ela era filha do diabo. Nesse momento a candomblecista continuou a andar sem reagir aos comentários, porém a senhora insistiu em segui-la denegrindo sua imagem, até que em certo momento a senhora cuspiu em seu rosto.

“Naquele momento tive o instinto de ir para cima dela, mas consegui manter a serenidade. Aquela atitude me deixou paralisada, limpei meu rosto, e segui para o evento” desabafou. Segundo Márcia o fato que mais a deixou chateada foi que a senhora era uma conhecida que vivia no mesmo bairro que ela.

“Não entendi porque daquela agressão, daquela forma. Quando cheguei ao evento tive uma crise de choro”, expressou. Após o evento, a advogada seguiu até a delegacia para fazer a queixa e contou que lá encontrou certa resistência por parte dos policiais para conseguir dar seu relato.

“A questão da matriz africana precisa se olhada com mais cuidado, precisa ter politica publicas eficazes de combate a essa intolerância religiosa, pois as pessoas morrem vitimas desse preconceito.”

“Depois de quase duas horas insistindo para ser atendida, foi solicitada minha identidade, quando me identifiquei como advogada senti que o tratamento mudou, isso só comprovou que as pessoas têm um preconceito de quem é adepto de religiões afro brasileiras são todos ignorantes” afirmou a moça.

Outra situação no qual Márcia passou pelo preconceito aconteceu após seu período de inicialização no candomblé, quando é necessário que o religioso fique por um tempo resguardado. Segundo ela, ao voltar à rotina no trabalho ela foi acompanhada de sua mãe a uma audiência.

Quando a deixou esperando enquanto participava de uma audiência, duas colegas começaram a falar mal dela por causa das vestes, sem saber que a mãe estava ao lado delas. Marcia garantiu que quando está caracterizada para algum evento de sua religião, já percebeu que muitos se incomodam.

“Já houve casos de pessoas olharem para mim e fazer sinal da cruz, evitar sentar ao meu lado dentro do ônibus, manifestações de louvores no celular em um tom mais alto. Apesar de ser da etnia branca existe uma carga de racismo religioso muito grande, já cansei de ouvir de colegas que eu não deveria me envolver com “macumba” que isso é coisa de “preto”, para nós de religião de matrizes africanas não se aplica mais o termo de intolerância, mas sim de racismo religioso”, informou.

Eduardo Campos (foto acima) é fiscal sanitário e há três anos faz parte do grupo de umbandista. Para ele a religião é como qualquer outra e que a separação religiosa serve para as pessoas encontrarem Deus onde se sentir melhor ou mais a vontade independente da denominação religiosa.

“O caminho certo é aquele que te faz bem”, garantiu. Eduardo desde criança foi criado em igreja evangélica, religião no qual toda sua família faz parte e garantiu que o que o motivou a busca de Deus em outra religião foi o fato de sempre ter tido uma curiosidade e algo espiritual que o levava para esse lado.

“Eu queria ver, mas não tinha coragem de ver o desconhecido que para muitas pessoas é completamente diferente do que é de fato”, contou. Para ele o pior preconceito é a falta de conhecimento e cultura.

“Existe muito preconceito, muitos falam que é uma religião do mal, mas as pessoas jugam sem saber, eu sempre digo que tem que ver, participar, pesquisar para poder tirar as conclusões” (Eduardo Campos)

Quando o vigilante sanitário iniciou na religião, disse que houve muitas criticas e, até mesmo, um desentendimento em seu casamento. “Minha esposa não aceitou de jeito nenhum, hoje em dia temos uma relação de muito respeito, inclusive ela já foi conhecer e pôde perceber que não era nada que havia pensado” afirmou, completando que tudo que desconhecido causa um desconforto nas pessoas.

Eduardo contou que sempre escuta piadas sobre sua religião e apesar de tentar levar na brincadeira, isso é algo que o magoa, principalmente quando a intolerância vêm de pessoas mais próximas. “O meu jeito brincalhão me ajuda relevar certas atitudes, mas a falta de respeito e ofensas sobre a religião ser uma adoração a um outro Deus, por mais que leve na brincadeira é muito complicado”, contou.

Para ele, os mais intolerantes a outras religiões são os evangélicos. “Se você convida um espirita para ir ao culto ele vai, mas são poucos os evangélicos que vão aceitar ir a outro espaço espiritual”, afirmou.

Intolerância de gênero

Conhecimento pode mudar conceitos

 

Um dos casos que ganhou destaque no Brasil e até mesmo em terras estrangeiras foi o que aconteceu com as empresárias resendenses Enayle Fontes e Natalí Ferreira (foto acima). As duas são sócias em uma empresa de doces, além de noivas.

Na ocasião uma cliente questionou via WhatsApp, por que uma mulher de cabelo curto com características de lésbicas estava a frente da empresa, a mesma informou que se sentiu constrangida em ser atendida por ela. Após relato da cliente, indignada com a situação, Enayle resolveu publicar os prints da conversa nas suas redes sociais. Em pouco tempo, a publicação viralizou e tomou repercussão gigantesca.

“Esse caso teve uma visibilidade maior, mas nós passamos por vários outros casos, a homofobia não é um caso isolado, existirão vários ao longo da vida”, contou a psicóloga Enayle.

Ela e sua noiva estão em um relacionamento desde 2015, segundo a jovem, ela nunca havia se envolvido em um relacionamento gay e, para ela, essa nova experiência fez com que percebesse a existência da homofobia.

“No inicio o que mais me assustou foi o fato da minha companheira ser vitima de tanto preconceito sem se quer perceber, através dos olhares e do tratamento. Isso foi algo muito impactante, pois por mais que seja algo que sabemos que existe sentir isso é muito diferente”, disse.

O que mais chamou a atenção da empresária foi o fato do caso ser tratado como um algo isolado. De acordo com a psicóloga, a sensação é que aquela pessoa foi especificamente pega e condenada como única homofobia do mundo.

“As pessoas não entendem todos o viés de um casal que foge da regra imposta pela sociedade e que foge da família tradicional. Não se trata de um preconceito real de um insulto nas redes sociais ou de um ataque agressivo, existe muita coisa velada, muitas pessoas deixam de comprar na minha empresa porque somos um casal homossexual”, disse Enayle.

“Não podemos permitir que intolerância, o discurso de ódio se propague mais, temos que falar disso sim para aprender e ensinar que isso é algo que não pode ser feito, para isso acontecer a luta é diária.” (Enayle)

Ela também contou que na época em que o casal sofreu o ataque, houve também vários tipos de manifestações através nas redes, inclusive negativas. “As mensagens ruins mexeram muito com a gente, mas também pudemos perceber o quando somos fortes e a quantidade de pessoas que passam por isso diariamente. A melhor foma de lidar com o preconceito é lutar contra ele”, afirmou.

Natasha Kiweçarc, 22 anos, cabeleireira, maquiadora e transgênero. A jovem contou que sua transição começou quando tinha apenas 14 anos, segundo ela, sempre se via como uma pessoa que nasceu no corpo errado, mas sua essência e personalidade sempre fora de uma mulher.

Sua história não é muito diferente das demais: o preconceito e a discriminação é algo que está no cotidiano. Em uma noite de segunda-feira, quando retornava para casa vinda do trabalho, Natasha aguardava seu ônibus quando o mesmo chegou e ela embarcou.

“Quando entrei no ônibus dei boa noite a cobradora e ao motorista e logo em seguida percebi que havia um suposto casal de lésbicas”, explicou. Segundo a jovem, quando o casal desceu da condução a trocadora passou a fazer certas insinuações homofóbicas sobre as duas.

“Ela passou a falar com o motorista sobre o suposto casal, o motorista ainda cogitou a hipótese de serem mãe e filha, porém a trocadora afirmou que de fato elas eram ‘sapatão’, e começou a denegrir as duas”, contou afirmando que aquilo a incomodou, porém não entrou na discussão.

“Não somos aberrações, somos seres humanos falhos como qualquer outro. E tudo que mais desejamos é a dignidade de levar a vida que nós escolhemos com respeito e tolerância” (Natasha).

Natasha contou que quando foi se aproximando do seu destino o sensor estava desligado e ela solicitou que a cobradora pedisse ao motorista que parasse no próximo ponto. Foi aí que tudo começou. “A funcionária pediu para que o motorista parasse no próximo ponto, pois um rapaz iria descer. Nesse momento, eu a corrigi dizendo que era uma moça, foi nessa hora que cobradora me segurou pelo braço e disse que diante de Deus eu era um rapaz e passou a me insultar”, garantiu a moça.

Apesar de que, no momento Natasha não conseguiu reagir, ela informou que essa situação não seria em vão e que as providências seriam tomadas através da justiça, mas de acordo com ela, a funcionária sorriu.

“Tudo se torna mais difícil quando você enfrenta uma vida diferente do que é considerado padrão. Todo esse preconceito é devido a falta de informação das pessoas”, opinou ela, acrescentando que somente a partir do conhecimento e do interesse em saber o que é, o respeito surge.

 


1 Comentários

    • Leitor 08:23

      Adorei essa matéria. Meus parabéns!

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